3-eFEITO CHICOTE

conteúdo original: silva, i. L.L.; fundamentos para gestão da produção: o mínimo que você precisa conhecer; São Paulo; ed. do autor; 2024;

3.                   Efeito Chicote

A administração de materiais através da cadeia de suprimentos envolve inúmeros modelos diferentes de produtos e um grande volume de unidades. Os materiais são armazenados dentro das empresas em cada nível na cadeia de suprimentos, e são posteriormente transportados para as empresas que utilizam os itens como matéria prima, num processo sequencial, de empresa para empresa, até o nível da demanda do consumidor final.

Esta grande variedade e volume de materiais, aliado a extensão da cadeia de suprimentos, forma um ambiente extremamente complexo de ser monitorado.

O simples fato deste ambiente complexo existir, e consequentemente o fluxo de materiais ocorrer continuamente dentro dele, se dará origem a um fenômeno identificado nos anos 60 por Jay W. Forrester, chamado de Efeito Forrester ou Efeito Chicote.

O conceito do Efeito Chicote pode ser entendido como um fenômeno que faz com que as variações no fluxo dos materiais dentro da cadeia de suprimentos sejam potencializadas à medida que percorrem esta cadeia desde as empresas mais fundamentais de matéria prima, até o nível do consumidor final.

Essa potencialização das variações causa instabilidade na administração de materiais dentro da cadeia de suprimentos, tornando o ambiente ainda mais complexo do que ele já por natureza. Este fenômeno irá surgir de forma espontânea a partir dos fluxos de materiais entre as empresas.

Provavelmente, quando criança você já brincou de “Telefone sem Fio”, aquela brincadeira onde se fala uma frase para uma pessoa, e esta frase deve ser transmitida verbalmente de pessoa a pessoa, uma de cada vez, e ao final desta rede a frase deve ser pronunciada pelo último que a recebeu.

O que normalmente ocorre nesta brincadeira é que por mais que se tente transmitir a frase de forma literal entre as pessoas envolvidas, ao final a frase estará corrompida, e não será apresentada em sua forma original. Esta é uma analogia muito eficaz para representar o Efeito Chicote dentro das cadeias de suprimentos.

As demandas dos materiais que entram na cadeia por meio do consumidor final são distorcidas à medida que passam de empresa em empresa. As diferentes políticas adotadas pelas empresas para administração dos materiais e a comunicação da informação dentro da cadeia de suprimentos, tendem a ampliar esta distorção.

Por exemplo, uma cadeia de suprimentos qualquer tem uma taxa de consumo médio a partir do consumidor final de 10 unidades por semana. Se todas as empresas no sistema trabalhassem neste ritmo, para atender exatamente esta taxa ocorreria um fluxo contínuo e estável dentro da cadeia de suprimentos.

Mas o que ocorre na prática é uma das empresas prefere trabalhar com pedidos mensais que distorcem a demanda para 40 unidades por mês, e esta mesma empresa, para se proteger de variações adota um estoque de segurança de 20% da demanda, fazendo com que seus pedidos fiquem em por volta de 48 unidades uma vez por mês.

A empresa que atende esta, não tem conhecimento da demanda real de 10 unidades por semana, e busca trabalhar com lotes maiores, agrupando a demanda média mensal para ser produzida a cada três meses. Esta empresa também aplica um fator de segurança qualquer, que distorce ainda mais a demanda inicial do consumidor. E assim ocorre sucessivamente dentro da cadeia, causando uma grande distorção sobre os dados iniciais. Este é o Efeito Chicote.

Pode-se listar basicamente quatro principais motivos para a formação e ampliação do Efeito Chicote dentro das cadeias de suprimentos (além da própria variação da demanda que é sua causa natural).

·       Descoordenação de previsões de demanda dentro da rede: Cada empresa tende a trabalhar de forma isolada ao realizar suas previsões de demanda para planejamento. Ao se realizar uma previsão sem conhecer as políticas de gestão de materiais da empresa a qual se adquiri os produtos se planejará previsões que divergem da demanda real do consumidor final. Quando isto ocorre, todas as empresas estarão suscetíveis as alterações de políticas de gestão de materiais das empresas a quais se relaciona. O ideal seria que toda a cadeia de suprimentos trabalhasse se baseando na demanda do consumidor final. Para isso é necessário que haja uma coordenação entre as empresas de ponta a ponta da cadeia produtiva (algo extremamente difícil de ocorrer);

·       Política de pedidos/lotes: Cada empresa trabalha com políticas diferentes para realizar seus pedidos, as quantidades pedidas, estoques de segurança, ponto de reposição, a frequência de pedidos etc. A diferença de políticas de gestão de materiais dentro da cadeia, por si só gera ruídos que mascaram as demandas reais vindas do consumidor final, e vão sendo distorcidos à medida que caminham dentro da cadeia.

·       Alterações de preço: Quando empresas realizam reduções de preços, ocorre o aproveitamento destas oportunidades pelas empresas que compram o produto, adquirindo mais do precisavam naquele momento e gerando estoque. Após esta empresa gerar este estoque, seu consumo futuro deste produto irá naturalmente reduzir, o que irá mascarar a demanda real do consumidor final. O mesmo ocorre quando há aumento de preços, a empresa que consome o produto irá comprar menos e consumir ao máximo seu estoque existente, para somente então voltar a comprar. Novamente, isso irá mascarar a demanda real do consumidor final.

·       Falta de compartilhamento de informações: O grande vilão que contribui para formação do Efeito Chicote é a falta de integração na comunicação das questões relacionadas a demanda dentro da cadeia de suprimentos. Cada empresa tende a se organizar de forma isolada dentro da cadeia, não considerando as outras empresas com as quais se relaciona, o que causa distorções neste relacionamento. Se fosse possível tornar comum as informações reais da demanda a partir do consumidor final para todas as empresas envolvidas na cadeia, e ocorresse uma uniformização na política de gestão de materiais entre estas empresas, o Efeito Chicote poderia ser reduzido drasticamente.

Para compreender o Efeito Chicote observe o exemplo do quadro 3.1.

São apresentados dados de demanda, estoque inicial, estoque final, e produção de uma cadeia de suprimentos composta por quatro camadas (considerando a montadora do equipamento).

           Para simplificação considere que todas as empresas dentro dessa cadeia têm a política de estoque de sempre terminar um período com um estoque final igual a demanda que ela teve naquele período.

Quadro 3.1 – Exemplo do Efeito Chicote

Na coluna mais direita é apresentada a demanda do consumidor final, onde são apresentados seis períodos, sendo que no primeiro nota-se que houve uma demanda de 200 unidades, e do segundo período em diante a demanda foi de 190 unidades.

Olhando para a primeira empresa (Montadora do equipamento), ela iniciou o primeiro período com 200 unidades de estoque inicial. Estas unidades foram usadas para atender a demanda do consumidor final de 200 unidades, o que levaria ela a terminar o período com zero unidades em estoque. Como é preciso seguir a política de estoque válida para todos dentro desta cadeia, então esta empresa precisará produzir 200 unidades, para que ao final do período tenha uma quantidade em estoque igual a demanda que ela teve naquele período (200 unidades).

Seguindo para empresa seguinte na cadeia (Fornecedor 1), esta lógica irá funcionar exatamente da mesma maneira, sendo que a demanda do Fornecedor 1 será gerada a partir da produção da Montadora do equipamento. Isto seguirá para todas as empresas, exatamente da mesma forma neste primeiro período.

Passando para o segundo período, a partir da demanda do consumidor final, que agora foi de 190 unidades, o que aconteceu foi o seguinte: a Montadora do equipamento veio do período anterior com 200 unidades em estoque, o que perfaz seu estoque inicial. Agora a demanda foi de apenas 190 unidades. Com as 200 unidades disponíveis é possível atender a demanda, e ainda sobrariam 10 unidades no estoque ao final do período. A empresa não quer terminar com 10 unidades, ela quer seguir a política e terminar o período com uma quantidade igual a demanda que ela teve naquele período, que foi de 190 unidades. Com 10 unidades em estoque, para atingir as 190 desejadas será preciso produzir apenas 180 unidades.

Continuando no segundo período, na camada do Fornecedor 1. A montadora de equipamento produziu apenas 180 unidades, logo esta será a demanda da empresa Fornecedor 1. Ela tem 200 unidades em estoque, logo é possível atender a demanda de 180 unidades da Montadora do equipamento, e sobram 20 unidades em estoque. Para atender a política de estoque, ela precisa produzir 160 unidades para finalizar o período com 180 unidades, que foi sua demanda naquele período.

Olhando para a próxima camada no Fornecedor 2, sua demanda foi de 160 unidades (a produção do Fornecedor 1), que atende com o estoque, sobrando 40 unidades e produzindo apenas 120 para atingir as 160 unidades e seguir a política de estoques.

Esse processo continua, para todas as empresas e em todos os períodos. Este exemplo simplificado mostrando a relação no fluxo de materiais dentro da cadeia fez surgir o fenômeno do Efeito Chicote.

Observe a coluna de produção da empresa montadora de equipamento nos seis períodos. No primeiro período ela produziu 200 unidades, no segundo reduziu para 180, e em todos os próximos a produção foi de 190.

Observe agora a coluna de produção da empresa Fornecedor 3 nos seis períodos. No primeiro período, ela produziu 200 unidades, no segundo teve que produzir somente 40 unidades. No terceiro teve que aumentar sua produção para 360 unidades! Depois, produziu 120, 200 e finalmente 190.

Observe que a variação na demanda do consumidor final foi de apenas 10 unidades entre os períodos 1 e 2 (equivalente a 5%), mas para a empresa Fornecedor 3, ocorreu uma variação gigantesca nas quantidades que teve que produzir (200, 40, 360, etc.). Esse é o Efeito Chicote. Ele causa instabilidades na administração do fluxo de materiais dentro da cadeia de suprimentos.

Este efeito tende a se acentuar à medida que as empresas se distanciam da demanda do consumidor final, ou seja, empresas que produzem materiais mais básicos que são usados por outras empresas dentro da cadeia tendem a sofrer mais com seus efeitos. Empresas que estão mais próximas da demanda do consumidor final sofrem menos.

 

Para ilustrar numa situação real, observe a figura a seguir.

Figura 3.1 – Dinâmica da cadeia de suprimentos para lenço de papel facial

Fonte: Krajewski,2014


          É apresentada a dinâmica em quatro camadas na cadeia de suprimentos de lenços de papel. Observe a camada inicial que representa a demanda do consumidor final, existe variação natural da demanda, mas à medida que se caminha para trás na cadeia, a variação unitária das necessidades das empresas envolvidas aumenta. Esta é uma representação do Efeito Chicote dentro da cadeia de suprimentos.

conteúdo original: silva, i. L.L.; fundamentos para gestão da produção: o mínimo que você precisa conhecer; São Paulo; ed. do autor; 2024;